quinta-feira, 17 de maio de 2012

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO SEGUNDO VYGOTSKY: PAPEL DA EDUCAÇÃO


DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO SEGUNDO VYGOTSKY:
PAPEL DA EDUCAÇÃO[1]
Márcio Pereira
Professor de Psicologia do Curso Normal Superior (CNS). Psicólogo e mestrando em Educação – UNISAL/SP.  

RESUMO: Esta exposição se divide em dois momentos distintos. A primeira parte visa explicitar algumas reflexões sobre o desenvolvimento psicológico, caracterizando os conceitos de ação internalizada e zona de desenvolvimento proximal. Na segunda parte, fazem-se algumas considerações acerca da influência da educação no desenvolvimento psíquico.

1 – A NATUREZA SOCIAL E CULTURAL DO DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO
Na formulação da teoria sócio-histórica, Vygotsky nos aponta bases para novos olhares entre o plano social e individual da ação e nos mostra que o desenvolvimento psicológico se dá no curso de apropriação de formas culturais maduras de atividade. Além do mais, traz uma grande contribuição para a educação, na medida em que discute sobre as características psicológicas tipicamente humanas, suscitando questionamentos, diretrizes e formulações de alternativas no plano pedagógico.
Ao dizer que o sujeito constitui suas formas de ação em atividades e sua consciência nas relações sociais, Vygotsky aponta caminhos para a superação da dicotomia social/individual, pois a ação do sujeito é considerada a partir da ação entre sujeitos e o sujeito só é sujeito no contexto social. Assim, o psicológico só pode ser compreendido nas suas dimensões social, cultural e individual.
A gênese social do desenvolvimento pode ser evidenciada através da identificação de mecanismos pelos quais o plano intersubjetivo permite elevar as formas de ação individual. Leontiev diz que as ações humanas são consideradas como formas de relação do homem com o mundo, dirigidas por motivos, por fins a serem alcançados. Assim, o papel da intersubjetividade permite elevar-se no modo pelo qual ocorrem as transformações do caráter da ação, por exemplo:

Inicialmente, diante de um objeto inacessível, a criança apresenta os movimentos de alcançar e agarrar. Esses movimentos são naturalmente interpretados pelo adulto e, através da ação deste, o objeto é alcançado pela criança. Com isso, os movimentos da criança afetam a ação do outro e não o objeto diretamente. A atribuição de significado que o adulto dá à ação da criança permite que esta passe a transformar o movimento de agarrar em gesto de apontar. O gesto forma-se pela mudança de função e de estrutura dos movimentos, que deixam de conter os componentes do agarrar. Uma ação dirigida ao objeto transforma-se num sinal para o outro agir em relação ao objeto. E o gesto, com seu caráter comunicativo, é criado na interação. Desse modo, a orientação passa a ter controle de uma forma de sinal (ainda que rudimentar) a partir das relações sociais. (Góes, 1991, pp.17-18)

O desenvolvimento é alicerçado, assim, sobre o plano das interações. O sujeito faz uma ação que tem inicialmente um significado partilhado. Nesse sentido, é importante desenvolvermos o conceito de ação internalizada e zona de desenvolvimento proximal para entendermos melhor que o desenvolvimento é socialmente constituído.

1.1. O Desenvolvimento e a Ação Internalizada
As funções psicológicas que surgem e se firmam no plano da inter-relação, tornam–se internalizadas, isto é, transformam-se para se constituir em funcionamento interno. 
Esse plano interno, intra-subjetivo, é não um plano de consciência preexistente que é atualizado, pelo deslocamento da fonte de regulação para o próprio sujeito (LEONTIEV,1978)[2].
Dessa forma, longe de ser uma mera cópia do externo, o funcionamento interno é resultante de uma apropriação das formas de ação que estão intimamente interligadas a estratégias e conhecimentos dominados pelo sujeito como, também, a ocorrências no contexto interativo.
Os meios utilizados pelo outro, para colocar limites e/ou interpretar as ações do sujeito e os meios empregados pelo sujeito, para fazer o mesmo em relação à ação do outro, são transformados em recursos para o sujeito regular a sua própria ação. Dessa relação nasce a auto-regulação, que é fundamento do ato voluntário. Assim, fica caracterizado o processo pelo qual o funcionamento do plano intersubjetivo permite criar o funcionamento individual.
Para ilustrar o citado acima fazemos referência à fala egocêntrica.

No desenvolvimento inicial, a fala do outro dirige a atenção e a ação da criança; aos poucos, a criança também usa a fala para afetar a ação do outro. A partir dessa fala multifuncional vem delinear-se uma diferenciação: ao mesmo tempo que a criança compreende e usa melhor a fala na regulação de/pelo outro, ela começa a falar para si. Surge a chamada fala egocêntrica, que abrange uma variedade de referências à situação presente e á ação em ocorrência. Tais referências passam, aos poucos, a corresponder a uma forma de descrição e análise da situação. Depois, servem para organizar e guiar a ação; assumem uma função auto-reguladora. Esse uso individual da fala torna-se claro não só pelo que é falado como também pela variação da quantidade de fala conforme a complexidade da situação abordada. (Góes, 1991, p.19)

Nesse processo, a criança, através da fala, passa a tomar a sua própria ação como objeto, o que evidencia a interdependência dos cursos de evolução da fala e da ação inteligente.
Portanto, é a evolução da fala multifuncional desenvolvida num plano interativo que diferenciará as funções comunicativa e individual. No crescente uso da fala, há implicações da regulação das próprias ações, o que especifica a função individual. É justamente por essa mudança de função que a fala egocêntrica internaliza-se; não se dissipa mas dará lugar ao discurso interno, que, por sua vez, se refinará nesse novo plano.
Anteriormente, dissemos que o plano interno não é constituído de reproduções das ações do meio externo. Logo, ocorre transformações na fala ao longo dessa internalização. Inicialmente, a fala começa sucedendo ou acompanhando a ação a que se refere e passa depois a precedê-la, assumindo a função organizadora/planejadora.De outro lado, a fala se condensa ou abrevia, configurando-se uma nova sintaxe de caráter predicativo e contraído.
Consideramos, de maneira resumida, que o plano intra-subjetivo de ação é formado pela internalização de capacidades originadas no plano intersubjetivo. Vale enfatizar, aqui, que o plano intersubjetivo não é o plano “do outro” mas da relação do sujeito com o outro. Podemos então afirmar que é na relação com o outro, ou seja, nas experiências de aprendizagem que o desenvolvimento se processa. Recorremos assim ao conceito de zona de desenvolvimento proximal.
Vygotsky diz que aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores, etc. a partir de seu contato com a realidade, o meio ambiente, as outras pessoas. É um processo que se diferencia das posturas inatistas e dos processos de maturação do organismo e das posturas empíricas que enfatizam a supremacia do meio no desenvolvimento. Pela ênfase dada aos processos sócio-históricos, na teoria vigotskiana, a idéia de aprendizagem inclui a interdependência dos indivíduos envolvidos no processo.
A concepção de que é o aprendizado que possibilita o despertar de processos internos do indivíduo liga o desenvolvimento da pessoa a sua relação com o ambiente sócio-cultural em que vive e reconhece que a situação do homem como organismo não desenvolve plenamente sem o suporte de outros indivíduos de sua espécie. Assim, o conceito de zona de desenvolvimento proximal diz respeito a funções emergentes no sujeito, a capacidades ainda manifestadas com apoio em recursos auxiliares oferecidos pelo outro. O que irá caracterizar o desenvolvimento proximal é justamente a capacidade que surge e desenvolve de modo partilhado. Com seu burilamento e internalização, o desenvolvimento se consolida, abrindo sempre novas possibilidades de funções emergentes.

A zona de desenvolvimento proximal refere-se, assim, ao caminho que o indivíduo vai percorrer para o desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. A zona de desenvolvimento proximal é, pois, um domínio psicológico em constante transformação; aquilo que uma criança é capaz de fazer com a ajuda de alguém hoje, ela conseguirá fazer sozinha amanhã. É como se o processo de desenvolvimento progredisse mais lentamente que o processo de aprendizado; o aprendizado desperta processos de desenvolvimento que, aos poucos, vão tornar-se parte das funções psicológicas consolidadas do indivíduo. (Oliveira, 1995, p.60)

Nesse movimento, as experiências de aprendizagem vão gerando a consolidação e a automatização de formas de ação e abrindo zonas de desenvolvimento proximal. Assim a potencialidade do sujeito não é um simples vir-a-ser que se atualiza pela influência social, como se já fosse algo pré-suposto, mas que se cria na ocorrência concreta de capacidades emergentes que se manifestam em algum grau, embora ainda com apoio de outros sujeitos.
A aprendizagem que se origina no plano intersubjetivo constrói o desenvolvimento. Todavia os dois processos não podem ser feitos equivalentes, pois nem toda a experiência de aprendizagem afeta o desenvolvimento de igual modo. Para ter repercussão significativa, a experiência tem de ser tal que permita conhecimentos de um grau maior de generalidade em relação a um momento dado do desenvolvimento do sujeito. A generalidade do conhecimento é entendida com base em duas dimensões: o espaço de abrangência de aplicação do conhecimento ao real e o nível de sua independência em relação ao imediato-concreto, ao sensível. Assim sendo, as experiências é que fazem deslocar as funções psicológicas nos contínuos de sensível-imediato e de restrito-abrangente que têm o efeito de fazer avançar o desenvolvimento. A “boa” aprendizagem é aquela que consolida e sobretudo cria zonas de desenvolvimento proximal sucessivas. (Góes, 1991, p.20)

1.2. O Desenvolvimento e o Sujeito Interativo
A intersubjetividade está na gênese da atividade individual e participa da construção das formas de ação autônoma ou da auto-regulação. Não se concebe uma construção individual sem a participação do outro e do meio social, o que torna imprescindível a relação intersubjetiva, pois é nesse espaço relacional que há a possibilidade do conhecimento.
O intersubjetivo não é o plano do outro mas o da relação com o outro, o seu reflexo sobre o intra-subjetivo não é de caráter especular e nem suas ações internalizadas são a reprodução de ações externas mediadas socialmente. Dessa forma, o conhecimento do sujeito não é dado do externo para o interno, suas ações não são delineadas pelo meio externo e nem o seu conhecimento é cópia viva do objeto. Não se trata de um sujeito passivamente moldado pelo meio, nem de um sujeito assentado em recursos só individuais. O sujeito não é passivo e nem apenas ativo: é interativo
A maneira de ver o sujeito, na teoria de Vygotsky, e de ver o seu desenvolvimento confere à teoria uma postura “sócio-interacionista”, pela colocação de que o conhecimento é construído na interação sujeito-objeto e de que essa ação do sujeito sobre o objeto é socialmente mediada.

A autonomia do sujeito e a regulação de suas ações constroem-se sobre interações. Há, mais e mais, um domínio dos meios de ação que antes eram partilhados de alguma forma, em algum grau. A linha do desenvolvimento é, em conseqüência, uma linha de diferenciação e formação do indivíduo, de individuação do seu funcionamento. A criança é um ser social que se faz indivíduo ao mesmo tempo que incorpora formas maduras de atividade de sua cultura. Individualiza-se e se socializa. A relação social/individual implica, portanto, vinculação genética e constituição recíproca. (Góes, 1991, p.21)

Os processos de incorporação da cultura e individuação permitem a passagem de formas elementares de ação a formas complexas, mediadas. As funções psicológicas superiores (percepção, memorização, atenção, pensamento e imaginação) são marcadas pelo uso de recursos mediacionais internalizados. O alcance de formas superiores ocorre de modo descontínuo; os avanços são resultado de revoluções, que consistem de momentos de emergência de novas formas de mediação. Tais mudanças podem ser interpretadas como uma crescente descontextualização de recursos mediacionais ou uma crescente independência dos significados em relação ao contexto espaço-temporal em que estes foram construídos. Essa libertação do imediato produz-se por mudanças geradas no plano interativo.

2 - APENAS O HOMEM PODE EDUCAR O HOMEM
Considerando a importância da relação intersubjetiva para o crescimento individual, podemos considerar que o ato de educar só pode ser vivenciado pelo homem e que se realiza apenas e somente no meio social, ou seja, numa interação que realmente seja partilhada.
Desta forma, as características de cada indivíduo vão sendo formadas a partir das inúmeras e constantes interações do indivíduo com o meio, compreendido como contexto físico e social, que inclui as dimensões interpessoal e cultural. Nesse processo dinâmico, ativo e singular, o indivíduo estabelece, desde o seu nascimento e durante toda a sua vida, trocas recíprocas com o meio, já que, ao mesmo tempo que internaliza as formas culturais, as transforma e intervém no universo que o cerca.Assim, as características do funcionamento psicológico como o comportamento de cada ser humano são, nesta perspectiva, construídos ao longo da vida do indivíduo através de um processo de interação com o seu meio social, que possibilita a apropriação da cultura elaborada pelas gerações precedentes. 

Cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não basta para viver em sociedade. É lhe preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana. (LEONTIEV, 1978, p.267)[3]

Nesse sentido, podemos dizer que o homem apenas pode ser educado pelo homem. Então o que seria educação? Em termos abrangentes, como menciona Duarte Junior (1981):
Numa perspectiva ontológica, pode-se dizer que a educação significa colocar o indivíduo em contato com os sentidos que circulam em sua cultura, para que ele possa assimilá-los e nela viver. Isso não significa que estará assimilando todas as informações com uma atitude passiva, ao contrário, para que se tenha uma boa aprendizagem é necessário uma atividade que seja consciente, participativa e transformadora da realidade interna e externa do indivíduo.
Considerando que o desenvolvimento psíquico é definido, visto anteriormente, como um reflexo ativo da realidade, produzido e desenvolvido a partir da prática social, com a participação da prática do indivíduo, que orienta a sua vida frente ao mundo e aos demais indivíduos, a educação apresenta-se como um componente importante para o confronto de informações culturais, que possibilita o continuum processo do conhecimento e da constituição do psiquismo.
Assim, reconhecemos que o conhecimento é continuamente criado e recriado e não existe separado da consciência humana; é produzido por nós coletivamente, buscando e tentando dar sentido ao nosso mundo.

Conhecimento ... necessita a presença curiosa de sujeitos confrontados com o mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma constante busca ... No processo de aprendizagem a única pessoa que realmente aprende é aquela que... re-inventa o que aprende. (Freire)[4]

Vygotsky dá uma atenção especial à educação por considerar que ela possibilita desenvolver modalidades de pensamento bastante específicas, possuindo um papel diferente e insubstituível, na apropriação pelo sujeito da experiência culturalmente acumulada. Justamente por isso, ela representa o elemento imprescindível para a realização plena do desenvolvimento psíquico dos indivíduos já que promove um modo mais sofisticado de analisar e generalizar os elementos da realidade: o pensamento conceitual.
Para ele, o universo da educação escolar torna acessível ao sujeito o conhecimento formalmente organizado e que o desafia a entender as bases dos sistemas de concepções científicas e a tomar consciência de seus próprios processos mentais.

Ao interagir com esses conhecimentos, o ser humano se transforma: aprender a ler e a escrever, obter o domínio de formas complexas de cálculos, construir significados a partir das informações descontextualizadas, ampliar seus conhecimentos, lidar com conceitos científicos hierarquicamente relacionados, são atividades extremamente importantes e complexas, que possibilitam novas formas de pensamento, de inserção e atuação em seu meio. Isto quer dizer que as atividades desenvolvidas e os conceitos aprendidos na educação escolar (que Vygotsky chama de científico) introduzem novos modos de operação intelectual: abstrações e generalizações mais amplas acerca da realidade (que por sua vez transformam os modos de utilização da linguagem). Como conseqüência, na medida em que o sujeito expande seus conhecimentos, modifica sua relação cognitiva com o mundo. (Rego, 1996, p.104)

Nesse sentido, o importante no processo educacional é a formação da consciência que é de certa forma determinada pela natureza das relações que a engendra: trata-se das relações sociais com as quais cada sujeito realiza sua atividade coletiva, onde o trabalho ocupa lugar central. Vygotsky, assim, enfatiza que a relação ensino e aprendizagem é um fenômeno complexo, pois diversos fatores de ordem social, política e econômica interferem na dinâmica da sala de aula, isto porque a escola não é uma instituição independente, está inserida na trama do tecido social. Desse modo, as interações estabelecidas na escola revelam facetas do contexto mais amplo em que o ensino se insere.
Um educação voltada para a realidade existencial do sujeito e fundamentada nela, tem maior significado, pelo fato já visto de que nossa compreensão está radicada na vivência que temos do mundo. Assim, na multiplicidade de sentidos de nossa cultura, o educando somente pode apreender e aprender aqueles que o auxiliem a compreender-se.

... E nisto reside a capacidade criadora: construir, a partir do existente, um sentido que norteie nossa ação enquanto indivíduos. Ou seja: reside na busca de nossos valores, dentre os inúmeros provenientes da estrutura cultural. A educação que pura e simplesmente transmite valores asfixia a valoração como ato. O ato de valoração e significação somente se origina na vida concretamente vivida; valores e significados impostos tornam-se, portanto, insignificantes. A educação é, fundamentalmente, um ato carregado de características lúdicas e estéticas. Nela procura-se que o educando construa sua existência ordenadamente, isto é, harmonizando experiências e significações. Símbolos desconectados de experiências são vazios, são insignificantes para o indivíduo. Quando a educação não leva o sujeito a criar significações fundadas em sua vida, ela se torna simples adestramento: um condicionamento a partir de meros sinais. (Duarte Junior, 1981, p. 56)

A educação, tendo o seu papel de desenvolver pensamentos superiores, auxilia no desenvolvimento psíquico do sujeito, pois a intersubjetividade existente nesse espaço e as relações ali estabelecidas ampliam o horizonte e a consciência, ou seja, modifica o modo de ver e relacionar com o mundo. É um fator de enriquecimento para o desenvolvimento do ser humano.
Como conclusão, podemos considerar que a educação é um dos locus onde ocorre a ampliação da consciência e que busca uma visão totalizante do fenômeno humano, estimulando a criação de sentidos individuais com relação ao todo da vida. Promove um autoconhecimento, que permite maior equilíbrio entre o sentir, o pensar e o fazer. Caso ela não cumpra esse objetivo, estará contribuindo para a cisão da personalidade humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DUARTE JUNIOR, João Francisco. Fundamentos Estéticos da Educação. São Paulo: Cortez, 1981.p.45-65
GÓES, Maria Cecília, A natureza social do desenvolvimento psicológico. In: Cadernos CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade – Pensamento e Linguagem: estudos na perspectiva da psicologia soviética. 2ª ed., São Paulo: Papirus, 1991, p.17-24
OLIVEIRA, Marta Kohl de, Vygotsky. Aprendizado e desenvolvimento um processo sóocio-histórico. São Pauo: editora Scipione, 1995.
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky. Uma perspectiva histórico-cultural da educação. RJ: Vozes, 1995.
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[1]Texto elaborado a partir do Projeto Interdisciplinar: “A natureza, o homem, a cultura e o lugar da educação”, desenvolvido no 2º período do Curso Normal Superior (CNS) – UEMG/FUNEDI – ISED/ISEC, 1º semestre de 2002
[2] LEONTIEV, (1978). O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitário.
[3] LEONTIEV, (1978). O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitário
(...) a educação pode ser entendida como um processo pelo qual os indivíduos adquirem sua personalidade cultural. Ou seja, educar-se é, primeiramente, adquirir a “visão de mundo” da cultura a que se pertence; educar-se diz respeito ao aprendizado dos valores e dos sentimentos que estruturam a comunidade na qual vivemos (...) nela, “hominizamo-nos”. (Duarte Junior, 1981, p.54)
[4] Trecho extraído do livro Rdcuação Matemática, de Maria Aparecida Bicudo ao discutir o assunto epistemologia de Paulo Freire, ed. Moraes, sd., p.104. 

Corpo: objeto de estudo

 
Corpo: objeto de estudo
Ana Maria Marques
Universidade do Vale do Itajaí
Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea.
SANT'ANNA, Denise Bernuzzi de.
São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
127 p.
Na década de 1990, Denise B. de Sant'Anna publicou dois livros problematizando o corpo, além de diversos artigos. A obra Corpos de passagem, ainda um desdobramento dessa reflexão, reúne dez ensaios que foram escritos na mesma década e publicados ou apresentados, integralmente ou parcialmente, em diferentes meios (jornal, revista, mesa-redonda e, certamente, rascunhos do debate acadêmico). Historiadora da PUC-SP, doutorada pela Universidade de Paris VII, Denise B. de Sant'Anna vem ampliar os questionamentos que a sociedade e, em especial, a academia têm feito sobre o corpo, que passa a ser objeto de estudo a partir da década de 1970.
A exploração comercial do corpo, questão levantada por Denise Sant'Anna, trouxe, paradoxalmente, a 'desertificação da vida'. Quanto mais se explora o corpo, mais ele se torna infinito, rompem-se as fronteiras territorias. O corpo não é mais uma unidade, mas um elo entre os corpos. As pesquisas genéticas estão criando transgênicos e seres pós-gênero, no entanto as desigualdades sociais permanecem. Essas são discussões especialmente presentes no sétimo e no oitavo ensaio.
O corpo como equivalente de riqueza e explorado pelo mercado é a tônica das reflexões da autora. A estética aerodinâmica suavizando as linhas, a tecnologia virtualizando a pessoa viva, cria um abismo "entre os nossos", diz ela. O deslocamento é valorizado: viagens de férias, spas ou resorts, esportes radicais... Prometeu reaparece como aquele que vence suas próprias limitações ou conquista seu próprio empreendimento. Ou seja, o indivíduo domina a si mesmo ou os espaços, transformando a natureza, recriando cidades onde passeia sem medo - é a 'indústria da alegria' , - temas tratados no terceiro e no quarto ensaio.
A velocidade também passa a ser condição de sucesso, poder e riqueza, mostra a autora no primeiro ensaio. Aquele que se quer desvencilhar do peso de tudo "teme carregar muito corpo, muita memória, muita identidade. E se vê ameaçado constantemente pela vertigem da compulsão e pela depressão aniquiladora" (p.25), conclui Denise. E faz pensar que os apelos do mercado colocam a vida na moda. Então, envelhecer ou morrer também se comercializa, pois a imortalidade é aqui, nesta vida.
Enquanto a exposição do corpo ganha publicidade, o interior do corpo provoca náuseas. Até bem pouco tempo, doentes eram tratados em casa, bem como galinhas e porcos que além de serem tratados eram mortos em casa. Os penicos ficavam em baixo da cama. A menstruação passava pelas mãos que lavavam as toalhinhas. Sangue, fezes e urina faziam parte da rotina. "Na medida em que o corpo ganha direito de exposição, ele conquista o dever de ser civilizado e fotogênico" (p. 69), coloca a autora, no quinto ensaio. No segundo, mostra como o hospital deixa o corpo 'paciente' aos cuidados e especialidades de estranhos. Estar doente não é mais 'natural'. A dor, que no século XIX era sinônimo de coragem e persistência, deve ser banida. A vida do doente é como se não fosse vida, passa a ser um momento intervalar.
O nono ensaio polemiza a idéia que deu origem ao título do livro: o corpo-passagem. A idéia de possessão como um lugar de passagem. Aquela máxima feminista, da década de 1960, "nosso corpo nos pertence",1 que pretendia ser um contraponto da dominação do homem sobre a mulher, não só se esvazia como nos remete a pensarmos que nossos corpos não pertencem a ninguém, nem a nós mesmos. Na metáfora utilizada pela própria autora, o corpo é parodoxal à medida que não é algo pronto mas também não é um rascunho. Somos e temos um corpo sempre de passagem. Não no sentido cristão de passagem para o céu, embora para alguns também possa ser, mas no sentido de que um mesmo corpo possa assumir formas (plasticidades e comportamentos) em diferentes momentos ou em um mesmo momento. O corpo pode estar em um determinado local e em outro ao mesmo tempo, pode estar parado e em movimento... As polaridades já foram superadas pelas reflexões contemporâneas da subjetividade. E Denise Sant'Anna coloca essas questões nesse livro, embora avise dos riscos de cair na areia movediça da valorização do corpo que carrega a 'universalidade' do indivíduo, onde habita sua pátria, seus sucessos e fracassos. Os conceitos universais de Deus, Nação podem, e têm sido transferidos para a noção de indivíduo. O mercado e a publicidade mostram que a felicidade pode ser comprada, que as coisas e os bichos podem ser humanizados (nos falam, nos incitam, os animais conversam, fazem companhia...). Valores como liberdade, democracia e cidadania são definidos como conseqüências do consumo. As sutilezas provocam outras palavras, histórias, personagens e corpos, conclui a autora.
Denise não quer ser definida como uma historiadora do corpo, embora os corpos e suas relações tenham historicidade. Ela não se preocupou com as relações de gênero, talvez porque não quisesse problematizar a sexualidade, que vem sendo objeto de amplos debates acadêmicos e, seguramente, já extrapolam as questões do sexo. Afinal, se a sexualidade passou a ser objeto de estudo é porque a sociedade contemporânea está preocupada com as relações de gênero e está desconstruindo os conceitos universais de ser homem e de ser mulher. Então, podemos ler nas entrelinhas a questão do gênero que está diretamente relacionada ao corpo.
Corpos de passagem, um conjunto de ensaios, não tem um caráter propriamente acadêmico. Os textos que compõem a obra não aprofundam as discussões teóricas das categorias envolvidas: corpo, subjetividade, indivíduo, por exemplo. Muitas áreas do conhecimento foram exploradas, e o elenco de autores/as franceses apresentados é significativo se comparado a poucos autores/as americanos (James Clifford, citado pelo seu trabalho etnográfico sobre comunidades sedentárias, e Donna Haraway, citada na sua abordagem sobre tecnociência e seres pós-gênero) e outros poucos/as pesquisadores/as brasileiros/as, como Heloisa de Farias Cruz, que aparece quando o assunto é a convivência entre pessoas e animais nas cidades (mostrando a utilização dos animais de carga na São Paulo das primeiras décadas do século passado); Beatriz Sarlo, quando se fala do modo de vida - zapping - dos dias atuais; e Celia M. T. Serrano e Heloisa T. Bruhns quando o assunto é turismo, cultura e ambiente. Entre os/as autores/as em lígua francesa, aparecem: Monique Sicard, sendo referenciada quando o assunto é imagens; Peter Handke, Alain Ehrenberg e Jean-Luis Chrétier, na discussão sobre o charme da lentidão quando a contrapartida é a fatiga; Henri Béraud e Claude Fiscler, inspirando as fala sobre obesidade; Vladimir Jankélevitch, Jean-Pierre Peter, Marie-Christine Pouchelle e Timothy Lenoir discutindo sobre morte, dor, hospitais e cirurgias; Bernand Edelman, sobre a publicidade da privacidade; Marc Guillaume e Pascal Bruckner, com seus respectivos trabalhos sobre a fábrica do riso e a euforia da felicidade; Dora Valayer, com o tema turismo; Michel Serres, com a idéia de pantopia; Andre Pichot e Vandana Shiva, quando a discussão gira em torno de ciência, genética e ética; Claude Olievenstein, que aborda o envelhecimento; e Francis Ponge, que apóia a autora quando trata da visão do homem no animal.
No campo da História, o tema do corpo, envolto pela subjetividade, é preocupação recente. As evidências com o corpo, bem como a sexualidade, tornaram-se debate freqüente na sociedade e fizeram emergir as problemáticas sobre o mesmo. Os historiadores estão se perguntando sobre o corpo porque a sociedade está colocando esse tema em evidência. Não se têm muitas respostas, ou talvez não tenhamos que tê-las. Todavia, a contribuição de Denise Sant'Anna, especialmente no campo da História, é muito importante. Até mesmo para percebermos o quanto os historiadores precisam discutir tanto com a Antropologia, a Psicologia e a Filosofia quanto com a Medicina, o Direito e outras áreas que cientificizaram o corpo e as relações humanas. Nesse momento, o trabalho de arqueólogo sugerido por Foucault2 é pertinente, não para trazer os 'monumentos' mudos, mas transformá-los em documentos tomados de sentidos pelo historiador.
O corpo foi dado a ler 'naturalizado' nas manifestações sobre doença, morte e velhice no século XIX e início do século passado, ou na busca de saúde e prazer infinitos contemporâneos. Esses contrapontos da 'natureza' dos corpos, como mostra a autora, são historicizados, mesmo que as temporalidades sejam efêmeras por não ter uma datação precisa ou presa no calendário de determinada cultura. Desconstruir as formas discursivas, como faz Denise Sant'Anna, é evitar o perigo de transformar o corpo em lugar dos universais.
1 Lucila Scavone traz essa discussão do primeiro momento do movimento feminista, baseado na noção de diferença e criando uma idéia de liberdade e autonomia das mulheres, associada a uma concepçao de conhecimento e reapropriação do próprio corpo. SCAVONE, Lucila. "Anticonceptión, aborto y tecnologías conceptivas: entre la salud, la ética y los derechos". In: SCAVONE, Lucila (Org.). Género y salud reproductiva en América Larina. Cartago: Libro Universitario Regional, 1999. p. 25-31. 
2 FOUCAULT, Michel. A arquelogia do saber. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.